Thursday, February 22, 2007

Tenho pensado muito no Redi.

Este mês fez 3 anos que meu amigo amigo Sylvio Redinger morreu. Meu amigo e de muito mais pessoas que o próprio Redi acreditaria. Acho que ele nunca acreditou na própria importância. Redi era o tipo da pessoa que quem quer o tenha conhecido tem certamente “uma do Redi” para contar. Ele mesmo era um contador de histórias.

Nós tivemos muitas. Conhecí o Redi na Sincro Filmes, do Pedro Carlos Rovai. Claro que já o conhecia pelos seus cartuns em “O Pasquim”, e era seu leitor fiel nas tiras da “Última Hora”. Mas a gente estava lá para um mesmo projeto de marketing: lançamento do filme “Eu dou o que ela gosta”, do Braz Chediak. Ele fez a animação e eu fiz um comercial. Fomos com a cara um do outro de cara.

Por coincidência, o irmão dele Luiz tinha uma agência de propaganda na rua onde eu morava no Leblon, a José Linhares. Volta e meia nos esbarrávamos e tomavamos um cafézinho no Bracarense. Nesta época ninguém imaginaria que o Bracarense um dia seria um “point”. Era apenas o meu botequim da esquina onde eu comprava cigarros e tomava cafézinho.

Com o tempo, o cafézinho passou à ser lá em casa. E surgiram mais projetos de lançamentos de filmes (conhecidos pelos outros como pornochanchadas). A gente bolava junto as campanhas, os avant-trailers em animação. Claro, era pura sacanagem! Como por exemplo o avant-trailer para um filme chamado “O Homem da Cabeça de Ouro”, onde se ouvia um monte de vozes femininas gemendo pelo “homem” e a camera ia subindo num desenho de um homem esbelto de paletó e gravata enquanto a locução dizia algo tipo: “O que será que este homem tinha na cabeça para atrair tanto à mulheres?” até que a panorâmica chegava na cabeça sorridente e o penteado parecia uma glande dourada. Pois é. Saiu comentário escandalizado no JB, mas a gente se divertiu e garantiu o cafézinho nosso de cada dia.

Fizemos várias promoções de filmes nesta época. Pagos pelos produtores, ou contratado pelo próprio Luiz Severiano Ribeiro Neto que era o principal exibidor. “Loucuras de um sedutor”, “Com um grilo na cama” (neste eu fiz a risadinha sacana do grilo), e tantos outros. Mas o melhor eram os papos. Redi sabia rir de si mesmo. Viramos amigos de família.


Chegamos à escrever um roteiro juntos. Era um filme que eu iria dirigir e ele faria o papel principal. Tenho certeza que o teria feito bem. Mas como estava demorando para conseguir produção, e como me chamaram para São Paulo para dirigir um filme que o meu amigo Lenine Otoni havia começado mas teve que parar depois de cinco dias devido à sérios problemas intestinais (coisa que mais tarde eu entendi...), filmei “Nem as Enfermeiras Escapam”, e o Redi fez a animação de abertura e o cartaz.

Dois anos depois eu fui para Paris. Eu estava récem divorciado e com a cuca ferrada precisando de alguma coisa. Ficamos nos correspondendo. Isto foi dando uma vontade muito grande nele para ir dar um tempo em Paris também. Dei uma voltadinha de um mês para vender umas coisas e cuidar de assuntos familiares e logo 10 dias depois da minha volta à Paris chegou o Redi.

Caímos um tempo num apêzinho na Rue Mouffetard, num dos cantinhos mais gostosos do Quartier Latin, mas eu só tinha mesmo o apê pelos poucos dias em que um amigo francês estava fora da cidade. Redi tinha um parente, um tio creio, que morava na Mairie de Lilás num subúrbio parisiense. Mas o tio tinha um cachorro que não ia muito com a cara do Redi (e segundo ele, com a de ninguém). Por mais que o tio dissesse que o Redi era “ami”, o cachorro não fazia amizade. O Redi falava do cão com pavor e eu dava risadas, o que felizmente não o incomodava.

Eu falo (ou falava?) um francês razoável. E naturalmente sempre nas lojas e restaurantes era eu quem falava. Mas teve esta tarde, (eu lembro bem porque a gente tinha caminhado muito no Jardim das Tulherias, e eu estava cantarolando direto “sou brasileiro, estatura mediana, gosto muito de fulana, mas sicrana é o meu amor”, quase ao ponto de deixar o Redi irritado) que o Redi quis dar uma parada na farmácia pra comprar shampoo para cabelos oleosos. Eu ia pedir, mas ele insistiu que queria pedir ele mesmo. E soltou em bom som, com o mais perfeito sotaque do Leme: “Monsieur, je bisoin de shampoo pour cheval gras!”. Todo mundo na farmácia caiu na gargalhada e o Redi olhou para mim sem entender porque, até que eu disse para ele que ele havia pedido shampoo para cavalo gordo!

Poucas semanas depois eu saquei que não ia dar pra ficar em Paris (não tinha tios lá com ou sem cachorros) e me mandei para Nova York. Tipo umas 3 semanas depois o Redi baixou lá. Eu já estava com um quarto alugado, e catando uma vaga para estudar no The Actors e Directors Lab. O Redi veio passar uns dias antes de voltar para o Brasil. Na mala tinha um saco de feijão branco que o tio tinha mandado para a mãe. Bem, fizemos uma deliciosa feijoada branca e ainda sobrou para ele levar para a mãe dele, a querida Dona Tósia. (foto: Minha mãe e o Redi em NY, 1980)

Redi voltou para o Brasil, mas determinado à morar um tempo em Nova York também. Um ano depois ele estava de volta na Big Apple e lá ficou também por décadas. Foi vizinho do Christopher Reeve (o Superman). Publicou inúmeras vezes no The New York Times. Fez cartão para o Museu de Arte Moderna e cardápios para restaurantes. Tocou muito tamborim e cuíca. Não faltam conquistas e histórias do Redi nesta imensa internet de nossas vidas cheias de googles e yahoos.

A última coisa que fizemos juntos foi a peça “Congestion Ahead” de Charles Casillo, que eu dirigí para um Festival no “The Village Gate” em 1992. Tudo era passado num metrô. O elenco era todo americano, menos o Redi que dizia apenas uma fala. A última da peça. A gargalhada final. Saudades de rir com ele.

E numa homenagem aos amigos leitores, aqui está um desenho inédito do Redi, feito, amassado e largado no meu apêzinho em Nova York, sobre as dificuldades de viver nos Estados Unidos sem um green card!




Todos os desenhos nesta página são ©Sylvio Redinger, do meu arquivo pessoal, e de reprodução proibida sem consentimento.

1 comment:

André Rozendo said...

Todos Nós iremos um dia fazer a viagem...o q nos restará e a lembrança de nossas obras e aí que estar, será positiva ou negativa!!!
Mas enfim...temos realizar coisas boas para aqueles q ficam, sintam orgulho e lembrem de nós com carinho!!!
abs!!!