O Baile do Teatro Municipal era o grande evento do Carnaval Carioca. Os desfiles de fantasias sempre com destaque para o friburguense Clóvis Bornay, que consta ter sido o causador dos bailes de gala naquele teatro em 1937, seus arqui-rivais Evandro de Castro Lima e Mauro Rosas, e ainda mulheres como Zélia Hoffman e Wilza Carla (foto). Artistas de Hollywood, geralmente trazidos por Jorginho Guinle para o Baile do Copacabana Palace, também marcavam suas presenças no Municipal. Claro só entravam no baile os maiores de 18 anos. Traje à rigor ou fantasias de luxo eram a lei.
Em 1963, com 18 anos e meio finalmente foi a minha vez de ir ao baile que tantas vezes tinha visto na televisão. Fui com a turma do Mingão, meu grande amigo Domingos de Oliveira. Domingos era quase um guru para nós. Lembro dele fantasiado de pierrô.
A sensação que mais lembro foi que parecia que o salão fazia os movimentos ao rítmo da música, e que nós os foliões apenas acompanhávamos. Talvez tenha sido o scotch que pude comprar oficialmente pela primeira vez, talvez um lenço perfumado que me deram.
Foi um carnaval maravilhoso e que continuou na terça-feira com festa no terraço do Domingos na Rua Anita Garibaldi. Era o melhor lugar do Rio. Onde já tinhamos ensaiado teatro, curtido festas maravilhosas e conversado sobre tudo. Onde depois conhecí Leila Diniz fazendo ponto para o meu amigo baterista Nelsinho na peça “Somos Todos do Jardim da Infância”. Leila que seria depois mulher do Domingos, minha amiga-irmã e musa de uma geração de brasileiros. Um lugar que merece capítulo(s) à parte, mas quem assistiu ao filme “Todas as Mulheres do Mundo” já o viu.
Mas eu lembro que quando estava acabando esta festa de terça-feira, resolvemos Carlos Lyra, Odete Lara, Antonio Bivar e eu pegar um táxi para a Cinelândia para ver o que ainda estava rolando na Avenida Rio Branco. Não foi fácil achar um táxi, mas nos esprememos num fusca e fomos para lá.
As imagens das pessoas no finalzinho do que seria penúltimo carnaval antes do golpe militar eram da maior poesia. Fim de carnaval, amores que terminam, amores que apenas começaram. Umas pessoas bebadas cantando desafinadamente em paz, confeti, serpentinas, lantejoulas brilhando independentes nas ruas do centro da cidade. Garrafas e latas douradas vazias e abandonadas pelo chão. O ruído dos primeiros caminhões de limpeza urbana começando à chegar eram o contraponto para os últimos pandeiros que sacolejavam hesitantes em mãos já cansadas.
E como se podia esperar, pouco depois nasceu o dia. Um belo sol de quarta-feira de cinzas que nos convidava à voltar para a Zona Sul, talvez dormir um pouco, e ir para a praia. O ano iria começar. Acabou o nosso carnaval.
Meses depois, o mesmo Carlinhos Lyra junto com o grande Vinicius de Moraes criou e lançou esta música que está no coração de todos os brasileiros:
Acabou nosso carnaval
Ninguém ouve cantar canções
Ninguém passa mais brincando feliz
E nos corações
Saudades e cinzas foi o que restou
Pelas ruas o que se vê
É uma gente que nem se vê
Que nem se sorri
Se beija e se abraça
E sai caminhando
Dançando e cantando cantigas de amor
E no entanto é preciso cantar
Mais que nunca é preciso cantar
É preciso cantar e alegrar a cidade
A tristeza que a gente tem
Qualquer dia vai se acabar
Todos vão sorrir
Voltou a esperança
É o povo que dança
Contente da vida feliz a cantar
Porque são tantas coisas azuis
E há tão grandes promessas de luz
Tanto amor para amar
De que a gente nem sabe
Quem me dera viver pra ver
E brincar outros carnavais
Com a beleza dos velhos carnavais
Que marchas tão lindas
E o povo cantando
Seu canto de paz
Para mim, a “Marcha da Quarta-Feira de Cinzas” será sempre quase como o meu hino particular evocativo daquele carnaval.
Naquele ano, a Mangueira ficou em 2º lugar com o tema Exaltação a Bahia, e o Salgueiro ficou em primeiro com o fantástico Chica da Silva .
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