Tuesday, March 6, 2007

“A Nova Estrela” chega à televisão!


Eu fiz a cama na varanda... e ajudei assim e assado na produção de Todas as Mulheres do Mundo, de Domingos Oliveira e depois disto eu já havia colaborado no roteiro de 3 filmes: Os Paqueras, de Reginaldo Faria, Pais Quadrados, Filhos Avançados, de J. B. Tanko, e O Bolão, de Wilson Silva. Já havia sido assistente de produção em A Penúltima Donzela, de Fernando Amaral, já tinha sido 3º assistente de direção (ou contra-regra, claqueteiro, sei lá o que fui!) em Roberto Carlos e o Diamante Cor de Rosa, de Roberto Farias. Havia terminado de rodar como assistente de direção o maravilhoso filme Em Família, de Paulo Porto. Eu tinha 26 anos e estava louco para dirigir um curta metragem.

Eu tinha 26 anos e fazia parte de uma turminha maravilhosa que se reunia todos os dias, a maior parte deles na casa do Paulinho Mendonça e da Maria Alice Langoni. A casa deles era para todos nós um segundo lar (ou quem sabe o primeiro). Reginaldo Faria, ainda casado com a Kátia (mãe do Régis e do Marcelo), Claudio Tovar, Luiz Fernando e Luhli (que ainda não usava o “h””), Ney (que ainda não era Matogrosso), Ricardo Bicca, Regina, Bevi, Berilo Faccio, Wagner Mello, e mais umas pessoas eventuais e incríveis.

A gente conversava sobre tudo, mas sempre sobre cinema e música. E teatro. E a gente cozinhava em revezamento e comia muito. Da culinária mais simples à mais esotéricamente comprometedora. Muitos filmes brasileiros fazem alusão em piadas particulares, à membros desta turminha. Muitas grandes idéias surgiram e foram filmadas e exibidas. Eu tenho um amor eterno por estas pessoas, nos encontramos através das décadas (foto já da década de 80: eu, Claudinho e Ceninho sentados esparramados, Paulinho no meio, e Regi no vértice deste triângulo de amigos) e muitas histórias da minha tribo cósmica ainda vão ser contadas aqui. Naquela época, a gente fazia também revezamento de casas às vezes. Casa do Regi. Casa do Luiz Fernando e da Luli em Santa Teresa. Com visitas de Luiz Carlos Sá .“Ah, Teresa, minha santa Teresa”.

O Luiz e a Luhli tinham também uma casa em Filgueiras, na baia de Sepetiba. A primeira vez que fui lá eu acabei terminando um namoro com uma namorada canadense que não sacou a magia do lugar, e portanto eu resolví que ela não combinava com a paisagem. E se não combinava com a paisagem, não combinava comigo. Eu tinha 26 anos. Fazíamos passeios de barco na região. Luiz Fernando era fotógrafo e de um dom extraordinário.

Tania Scher, lindissima, também estava muito na área. Tinha estrelado o tal de O Bolão, junto com meu amigo e parceiro Taiguara, tinha trabalhado em Tem Banana na Banda, com a Leila Diniz no Teatro Poeira de Ipanema, onde às tardes passava a peça infantil Pop, a Garota Legal, de Ronaldo Ciambroni, que eu havia dirigido com a irmãzinha da Leila, Lígia Diniz, e ainda a Maria Alice, e o Claudio Tovar estreiando em teatro no Rio. Parecia que tudo que rolava era uma extensão das nossas festas. E às vezes o começo delas. E eu tinha 26 anos. E estava louco para dirigir um curta metragem.

Uma noite fui assistir um show da Gal Costa no Teatro Opinião. Ela era acompanhada pelo grupo Som Imaginário, que trabalhava muito com o Milton Nascimento, e era composto por músicos da pesada. Wagner Tiso, que acompanhava Milton Nascimento desde o início de carreira, o baterista Robertinho Silva e o baixista Luiz Alves. O guitarrista Frederyko (vocalista também), Tavito e seu violão de 12 cordas, Naná Vasconcelos na percussão, e Zé Rodrix no orgão e vocais.

Depois do show fiquei de papo com o Zé Rodrix, que eu já conhecia desde os tempos que ele era do Momento Quatro, quando cantava no programa “Fahrenheit 2000” do Taiguara e da Eliana Pittman, para o qual eu fazia uns textos na TV Tupi. Alías o Zé era meu fan confesso dos tempos que eu trabalhava no “Falcão Negro” na Tupi e sempre se divertia em pronunciar meu nome em húngaro.

Conversa vai, conversa vem, bateu o estalo do curta que eu queria fazer! Um filme com o Som Imaginário. Numa época em que ninguém imaginava sequer que um dia existiriam video clipes, foi um estalo de idéia. Tinha uma música linda do Wagner, com climas diferentes, numa progressão que ia do romântico ao místico. Uma viagem. Viajei nela. Tinha um texto do Fredera (Frederyko) que dizia que era o “tempo da nova estrela” e assim por diante.

A minha idéia era começar com imagens do conjunto acompanhando a Gal (ela topou participar num take, que era tudo o que eu precisava), e depois na progressão da música explodir para a liberdade de tomadas externas. Nos lugares lindos onde eu ia com o Luiz Fernando e a Luli. Claro que a Direção de Fotografia tinha que ser do Luiz. Bem, todo mundo topou a idéia, inclusive o Milton Nascimento. Ouví a música inúmeras vezes, com o texto do Fredera. Num certo ponto precisava de uma mulher linda, uma figura mágica para dar um clima Iemanjá, pois as imagens seriam de muito mar. Ela faria a oferenda (que foi caprichadamente armada pelo meu irmão Jorge) e sumiria no próprio mar. E tinha que ter uma criança que seria a própria expressão de uma nova estrela. Fácil, Tania Scher e sua filha Claudinha que tinha 2 anos e era de uma doçura mágica.

Tudo muito bom, mas cinema sempre custou dinheiro. Fomos papear com o meu amigo Carlos Eduardo de Andrade, que na época tinha a boutique Aquarius (bem adequado) e gostava de cinema, e sabia lidar com bancos. Meu amigo David Havt ia entrar na produção, com negativo mas na hora não rolou. Foi quando eu conhecí o Pedro Carlos Rovai. Fomos bater na porta da Sincro Filmes, e ele arrombou a própria geladeira e nos emprestou duas latas de Eastmancolor de 35mm. Depois o Pedro e eu ficaríamos amigos e eu seria também o seu assistente de direção em A Viúva Virgem e Ainda Agarro Esta Vizinha.

E aí a notícia! A Censura Federal proibiu o texto do Fredera. Subversivo. Estrela deve ser comunista! O meu roteiro tinha sido bolado em cima da música e do texto. Que fazer? Bem, vamos em frente assim mesmo!

A gente já tinha filmado em preto e branco, 16 mm para ser ampliado e granulado, as tomadas no Teatro Opinião, com direito à apoio moral da Lucina (que na época usava “h”), e fomos pra Filgueiras. Luli, que se consagraria depois como compositora, foi minha assistente de direção, cuidando da continuidade daquela viagem visual.


Quem tinha namorada levou namorada, quem tinha esposa levou esposa. Um astral maravilhoso. Lizzie Bravo, na época casada com o Zé Rodrix, ficou grávida de sua filha Marya nesta viagem. Tavito e Zé Rodrix começaram à ter idéias para comporem "Casa no Campo" nesta viagem. Mas teve a francesa!



Uma das locações era uma ilhazinha que a gente descobriu e quando estávamos prontos pra filmar apareceu a francesa que era dona da ilha (que a gente nem sabia que tinha dono), viu um monte de barbudos (quase todos usávamos ornamentos capilares faciais), umas moças aproveitando para um banho naturista, e não quis que gente filmasse na ilha dela. Eu tentei primeiro ser gentil como se ela fosse a própria Madame Vincent do livro de G. Maugier, usado na Aliança Francesa. Não colou. Perguntei se ela não gostava de "Travessia" de Milton Nascimento que ela certamente conhecia de festival na televisão - olha ele aqui com a gente! A francesa não amoleceu. Eu sei que acabei destratando a Mata Hari, que ameaçava ligar para o DOPS. Sugerí que ela seguisse o exemplo de Villegaignon em 1558 e voltasse pra França. Lembro que ela tirou uma foto minha para me “fichar”, mas eu dei um adorável sorriso para a camera dela fazendo um “V” de paz com a mão.

De qualquer modo, haviam as outras locações maravilhosas em Mangaratiba, inclusive um areal onde as gaivotas pousavam e sobrevoaram sobre a galera do conjunto na hora certa. Foi uma operação silenciosa armar a camera à distância e levar o pessoal de barco para a ponta de areia.

A última tomada do filme foi feita num travelling (nada fácil de montar na areia) e foi o fim do negativo. Não dava pra repetir.

Mas o material ficou ótimo, e a gente já estava combinado com o Egberto Gismonti pra fazer um curta com ele. Teria sido lindo. Mas não havia MTV. Menos ainda Canal Brasil. A Nova Estrela teve teve então a sua estréia para público. Foi para convidados no Cine Jóia, um dos menores que já existiram no Rio, e ficava no mesmo shopping onde o Carlos Eduardo tinha a sua boutique. Não havia lei de obrigatoriedade para curtas, e os exibidores brasileiros práticamente só passavam filme nacional quando obrigados por lei. Mesmo assim, eu inscrevi o filme e o INC (Instituto Nacional do Cinema) o escolheu para representar o Brasil no Festival de Berlim. Não aconteceu nada, mas a lata fez uma bela viagem de ida e volta à Europa!

Poucos anos depois, o Gil Lopes (que se tornaria empresário de músicos de uma gama indo de João Gilberto aos Engenheiros do Havaí), ainda garoto e Ceninho para os íntimos, levaria uma cópia para passar entusiasmadamente na sua faculdade. Em 1976 eu dirigí um longa, Nem as Enfermeiras Escapam, e como era habitual o filme teve uma pré-estréia para a classe cinematográfica e artística. Foi no cinema Leblon II que estava novinho. Eu fiz questão de passar o curta antes. Foi para mostrar o cinema que eu gostaria de fazer em contraste com o cinema que me foi permitido fazer.


A outra exibição internacional do filme foi no cinema do Public Theatre, em Nova York, nos anos 80. Eu tinha uma velha cópia em 35mm e estava com saudades do filme. Foi uma exibição ultra privê... só eu e o Fabiano Canosa. Fabiano era o programador do cinema. Infelizmente a cópia estava arranhadíssima, com pulos de fotogramas e cheia de óleo. Não dava para exibir.

Através dos anos a Lizzie Bravo sempre me botou pilha pra arrumar uma cópia do filme. Uma vez, quando almoçamos com o Bituca em Nova York, ele me disse que nunca conseguiu ver o filme. Puxa, Milton Nascimento tinha que poder assistir! Isto foi ainda nos anos 80.

Poucos dias depois que cheguei em Budapest no ano passado, uma surpresa no correio! Paulinho Mendonça me mandou um DVD da “velha estrela”, descolorida pelos anos, mas trazendo a evocação de uma época importante. Pena que o som (logo o som!) estava enervantemente distorcido. Mas deu para eu ter uma alegria muito especial, e depois dar muitas risadas. Não lembrava o porque de algumas coisas.

Mas entra em cena, ou melhor em Skype, a Lizzie. Ela me arrumou e mandou o mp3 da trilha original... com o texto do Frederyko. Eu resincronizei no computador e finalmente me lembrei do meu filme. Coloquei no You Tube. Paulinho e Lizzie foram das primeiras 1737 pessoas que assistiram antes de eu bloquear por um tempo.

E por que o bloqueio? Porque finalmente, três décadas e meia depois, na segunda-feira 12 de março de 2007, Canal Brasil, 19hs... A Nova Estrela chega à televisão! Nunca menos de 9 minutos levaram tanto tempo para serem mostrados para tantos. E acho que para muitos está viagem será um presente. Para mim, certamente é.
Eu tinha 26 anos. Eu tenho 62 anos.

PS em 19 de março. O filme já está desbloqueado no YouTube.

6 comments:

Anonymous said...

Gratulalo Drágam barátan André.
o prazer que tenho de ler suas lembrancas/historias e melhor ainda ouvi-las e poder ver seu belo brilho dos olhos e seu explendido sorriso, é magnífico.
Quero ver seu curta !!! Ah saudade de produzir tmb ( a minha e coisas pequenas ...)
sok pusziiiii

Anonymous said...

Eu devo ter sido uma das primeiras a ver, pelo Youtube, através da divulgação da Lizzie!
Que peninha que vc bloqueou o acesso no youtube! Vou ter que retirá-lo tb dentre meus vídeos no Orkut!:(
Mas parabéns!

Anonymous said...

beleza André...agora a ficção....ceninho

Anonymous said...

Loucura total esse vídeo hein Adler rs . Good Times rs
Logo depois passou um filme que vc era o assistente de diretor.
O Adler joga definitivamente nas 11. rs Abraço

Anonymous said...

me amarrei - no post e no filme!

viva o som imaginário :)

(pena a qualidade da fita não estar lá grande coisa)

mvcosta said...

André,
Que história maravilhosa.Adoraria ter participado dessa festa.
Parabéns pelo filme e tb pela persistência e força.
Grande abraço,
Marcus