Thursday, March 1, 2007

Húngaro já foi bom de bola!

Mas não é mais. Há muitos anos que o futebol húngaro entrou numa decadência que parece não ter volta. Difícilmente um jogador húngaro bom vai querer planejar uma carreira de ganhos limitados. E o mais estranho é que parece que o povo já se conformou. Mesmo a torcida mais inflamada, a do Fradi (apelido do Ferencváros) já gasta a sua adrenalina não no estádio, mas em badernas de rua nos protestos políticos. Como o que aconteceu em 23 de outubro do ano passado. E há rumores de repeteco em 15 de março, o próximo feriado na Hungria.

Uma das coisas que me deixou bastante impressionado foi o descaso que percebí na noite do jogo da seleção húngara contra a Turquia em outubro. Eu estava passeando na Praça Ferenc Liszt, onde iria encontrar com amigos para jantar. Um lugar muito animado, restaurantes maneiros um ao lado do outro, mesas cheias do lado de fora. Budapestianos e turistas misturados, mostrando uma variedade de tipos neo-felliniana. Eu notei que quase todos os lugares haviam televisores de telas planas, a maioria deles ligados em canais de esporte. Nenhum estava mostrando o jogo. E era a primeira vez que a seleção turca jogava em Budapeste. Bem, a Turquia acabou vencendo a partida por 1-0 com gol de Tuncay Şanlı. O fantasma do Sultão Suleiman, que liderou a conquista da Hungria pelo Império Otomâno em 1526 estava sorrindo nas arquibancadas do Estádio Ferenc Puskas. Os turcos mandaram aqui até 1699 e voltaram pra mandar no futebol. E desta vez o povo húngaro se importou bem menos.

Há um brasileiro naturalizado húngaro (o reverso de mim), que joga na seleção da Hungria, o Leandro de Almeida. Ele estava contundido e não jogou contra a Turquia, mas estava de volta para o próximo jogo da seleção em Malta. A Hungria perdeu de 2-1, e Malta obteve a sua primeira vitória na Liga dos Campeões da Uefa desde 1982. A Hungria perdeu o jogo e eu perdí um frila, pois estava com uma matéria sobre ele apontada com a ESPN Brasil, e evidentemente a matéria caiu.

Eu, pessoalmente, nunca fui muito bom de bola. Menino de pé chato, tive que usar palmilhas de metal do Dr. Shool até conseguir perder uma delas na engrenagem de um daqueles brinquedos de parque de diversões que ficam rodando e você não pode parar de andar para não cair e perder a palmilha do Dr. Shool. Mas mesmo assim eu jogava bola como qualquer outro menino. Geralmente como beque (ainda não existia a palavra “zagueiro”) porque eu conseguia atrapalhar todo mundo. Pena que atrapalhava meus colegas de time também.

Eu era Fluminense porque o meu pai era Fluminense (que tem as mesmas cores da bandeira da Hungria), até que em adulto num ato de liberação assumí que eu gostava mesmo era de torcer pelo Flamengo e virei casaca na moral. Eu já não precisava da mesada do meu pai mesmo. Mas só era torcedor apaixonado, como sou até hoje e semprei serei, pelo Brasil na Copa. Mesmo nas vezes em que achei intelectualmente que seria políticamente melhor para o país perder, eu nunca conseguí não torcer. Sofrendo, xingando e vibrando.

Mas em 1954 eu tinha 10 anos e não entendia ainda bem o que era a Copa do Mundo. Ainda era coisa de ouvir no rádio. Eu estava no quarto ano primário no Colégio Mello e Souza. Tinha entrado no colégio naquele ano, vindo do Colégio Anglo Copacabana onde estava desde o jardim da infância e tinha todos meus amiguinhos e amiguinhas. Mas como eu havia terminado a 3ª série com medalhinha, meus pais acharam que o colégio estava “fácil” demais para mim e me transferiram para o outro, aonde já estudava o meu irmão mais velho. Pois é.

Só que em 1954 a Hungria derrotou o Brasil nas quartas de final da Copa por 4-2, no que até hoje é lembrado como uma batalha campal em Berna, na Suiça. Com direito à muito barraco. Mas esta era Seleção Húngara histórica dos anos 50 que conquistou a medalha de ouro nas Olimpíadas, que ficou invicta por 29 partidas desde 14 de maio de 1950 até a final da desta mesma Copa de 54, quando perdeu para a Alemanha por 3-2 após o gol de empate de Puskas ter sido anulado pelo juiz inglês.

No dia seguinte ao jogo com o Brasil, eu cheguei no colégio e parecia que eu era um dos membros da “Seleção de Ouro”... todo mundo queria me dar porrada porque eu nascí na Hungria (nesta época eu creio que ainda falava português com algum resquício de sotaque estrangeiro). Foi “hórrendo”, como diria em bom baiano a minha querida amiga Regina Dourado. Por sorte, os dois maiores craques da turma, o Dori Caymmi e o Alvinho Burlamarqui eram dos meus melhores amigos.

Mas eu fiquei um bom tempo traumatizado. Preferia não jogar e os capitães preferiam não me escalar. Eu tinha medo que por ser húngaro pudesse jogar bem e ser recompensado com linchamento ou coisa assim. Passei à fugir de aulas de ginástica. Talvez isto explique a minha atual e inexplicável barriga que não é nem de cerveja e nem de gravidez embora pareça.

Tinha um monte de amigos nos times de praia de Copacabana. Radar, Dínamo, Capitães de Areia. Mas não entrei para nenhum deles e nem aceitei nenhum convite do famoso treinador Tião. Mas o futebol esteve sempre por perto. Meu pai era torcedor alucinado e tinha amigos naquela seleção húngara. Em 1957, eu já estava trabalhando na TV Tupi, e um grande amigo do meu pai foi trabalhar no Rio como técnico do América: Gyula Mandi.

Mandi havia sido o treinador da equipe comandada pelo grande técnico Gusztáv Sebes e o seu substituto. Ele jantava lá em casa umas três vezes por semana e para mim ele era apenas o Gyula bácsi (tio). Eles conversavam sobre Ferenc Puskás, Zoltán Czibor, Sándor Kocsis, Nándor Hidegkuti, József Bozsik e Gyula Grosics como eu converso sobre Reginaldo Faria, Paulinho Mendonça, Claudio Tovar, ou Luciana Quaresma, Marco Alfaro, e Roberto Figueroa. Eu estava era ligado em decorar meus textos pra tv.

Thomas, meu irmão, foi servir de intérprete para o Mandi lá na Tupi, numa entrevista num programa do Rui Viotti. Depois do programa, lembro até hoje, a gente estava já lá fora conversando animadamente. Eles entre si, e eu fazendo camaradagem com a galerinha do Golden Boys. Na volta para casa fiquei sabendo que o Rui havia convidado o meu irmão para trabalhar com ele, mas meu mano achou que já bastava um “artista” na família.

Só fui curtir com pessoal de futebol muitos anos depois, quando andava na praia em longos papos com o El Loco Doval, quando ele jogava no Flamengo e mais tarde com o Paulo César, que ainda jogava no Botafogo. Volta e meia ele aparecia pra ver as filmagens de A Viúva Virgem. E muitos anos depois, já em Nova York, com o Pelé em muitas festas e jantares, e ainda o capitão Carlos Alberto, na casa de Laurita Mourão. Ela merece um capítulo à parte depois.

Como já narrei toda a gama de esportes que a ESPN transmite, narrei também futebol. Inclusive uma temporada da Premiere League, com o José Inácio Werneck. Confesso que não contei com o incentivo dos colegas que queriam narrar bola redonda. Um dia me toquei que estava curtindo muito mais narrar futebol americano, hóquei e mesmo basquete. Preferí me aprofundar na diversidade esportiva. Não sem antes narrar com Regis Nestrovski um jogo da Liga dos Campeões da UEFA em 1995, com a única participação do Ferencváros. O time perdeu, mas os brasileiros ouviram os nomes dos jogadores bem pronunciados.

Foi uma ironia do destino que seria eu quem faria a única matéria para o Brasil diretamente de Budapeste quando Puskas foi internado (A matéria feita para a ESPN Brasil está no You Tube). Foi quando entrevistei o goleiro Gyula Grosics (por quem me afeiçoei tremendamente) que voltei à falar no outro tio Gyula, o Mandi. Com ele e com o Jenö Buzánski. São os únicos restantes da Seleção de Ouro da Hungria. Mais irônico, e claro, um bocado triste foi caber à mim entrar no ar por telefone com o boletim do falecimento do Puskas.

Hoje os húngaros não são mais bons de bola, mas este húngaro- brasileiro aqui gosta muito de falar dela. Mesmo quando não é oval.

2 comments:

Anonymous said...

Excelente narrativa! Só não curti a troca de time! O pior de tudo é que esse Flamengo foi criado através do seu primeiro time André!

Ricardo Schott said...

Fala, André. Vi seu comentário no meu blog. Vou ficar de olho na exibição deste filme, ok? Uma amiga minha que trabalha lá no Canal Brasil já havia me avisado diso!
Meu blog agora é http://interney.net/blogs/dbasica, ok?
Abç
Ricardo Schott