Dezembro costuma ser muito cruel em toda a área da Nova Inglaterra e em 2003 não foi diferente. Era o domingo da Semana 15 da NFL, e estava nevando muito em Bristol, Connecticut. Para mim o dia estava sendo um pouco mais doloroso porque me refreei em tomar os medicamentos contra dor que haviam me receitado quando sai do hospital, depois de atroscopia no ombro direito.
Meu sobrinho Marcio foi para os Estados Unidos com a mulher e o filho para cuidarem de mim na recuperação. Pouco me lembro daqueles dias, pois aproveitei para dormir o máximo, sob efeito dos medicamentos, pois a dor era muito grande. Ainda mais porque a minha tendência é dormir sobre o ombro direito.
Eu havia protelado a cirurgia um bocado. Tudo começou quando fui pendurar um quadro com pesada moldura de vidro, e feito um panaca subí numa cadeira de pernas finas no lugar de usar a minha escadinha. A cadeira escorregou e eu caí. Aterrissei com ajuda da mão esquerda, enquanto com a direita mantive o quadro no alto para que não se quebrasse. Ele não se quebrou. Mas eu torcí o braço e com o tempo desenvolveu-se uma tremenda tendinite.
O ortopedista me deu uma injeção de cortisona e isto quebrou um galho por um tempo. Passados alguns meses voltei pedindo outra. Ele me deu, junto com o aviso que não poderia me manter assim e que provávelmente teria que me operar. A cortisona segurou a barra mais um tempo. Mas depois as dores eram brabas. Coisa de eu estar conversando na boa e de repente pintar um “ai!”. Coisa de eu estar narrando na cabine segurando o braço.
Chegou um ponto que não dava mais para protelar. Marcamos a cirurgia para coincidir com as férias do Marcio. Mas já era 14 de dezembro e meus sobrinhos haviam viajado na véspera. Tudo bem. Eu estava vendo trechos dos jogos do dia com enfâse especial em Jacksonville Jaguars vs. New England Patriots, e Pittsburgh Steelers vs. New York Jets, pois o nosso primeiro jogo da semana seguinte seria Patriots vs. Jets, sempre um clássico mesmo com o Patriots disparado no topo da tabela.
Já estava com a minha preparação para o jogo da noite prontinha, New York Giants vs. New Orleans Saints. Tava tudo muito bom, não estava sentindo dor mesmo tendo parado os remédios na véspera. A única coisa era a neve que não parava de cair fazendo montes do lado de fora da minha casa. Mas meu “Yellow Submarine”, meu Pontiac Aztec, era poderoso e as ruas e estradas habituais da minha casa para a ESPN não eram preocupantes. Eu estava mais preocupado era com os detalhes que poderiam fazer o jogo interessante para os brasileiros torcedores do Giants, que já estava eliminado. O Saints ainda podia acalentar remotos sonhos de playoffs à caminho do Super Bowl XXXVIII com uma vitória que parecia provável.
Fui para a garagem e entrei no carro. O braço não estava incomodando. Logo que sai da garagem saquei um problema. O tanque de gasolina estava lá embaixo. Foi aí que tomei a decisão errada. Resolví mudar o roteiro (estava com tempo para isto) e ir por um outro onde acharia um posto de gasolina mais próximo onde poderia chegar cortando caminho pelo estacionamento de um supermercado falido. O estacionamento estava coberto de neve (que alías não parava de cair). Atolei.
Terrível vontade de ir ao banheiro. Ansiedade. O que fazer?, pensei. Ou rezei. E aí me apareceu o que eu primeiro pensei que fosse um anjo, mas depois se provaria o diabo. Um cara viu um borrão amarelo na neve e quando percebeu que era um carro veio me ajudar. Deu pra sair. Agradeci e dei meia volta e ia rezar para que a gasolina bastasse até o meu posto habitual, mais próximo da ESPN.
E na ruazinha que me levaria ao tal caminho tinha um posto de gasolina do qual havia me esquecido. Seria um alívio duplo. Só que a neve cobriu uma moita de plantas na entrada, e eu fui direto em cima. Atolei, mas tirei o carro e estava já usando a bomba quando apareceu um carro de polícia. Por uma coincidência nefasta, o cara que tinha me ajudado há minutos estava no posto e quando viu eu entrando pelo arbusto achou que eu estava bebâdo e chamou a polícia.
Cena habitual. Meus documentos estavam em ordem. Humilhante caminhada para ver se eu não trocava de pé. Bafômetro. Mas eu não estava preocupado com isto. Tinha zero de alcool no sangue. Meus olhos revelavam, talvez ainda um pouco vidrados pelos remédios ainda da véspera, o crescente nervosísmo com o horário do jogo se aproximando. O policial, lento de raciocínio e cultura, ficou ainda mais abismado quando eu disse que estava indo para a ESPN para narrar o Sunday Night Football para o Brasil. Eu acho que ele nem sabia o que era "um Brasil". Me controlei para não pegar um desacato, mas mesmo assim fui parar na delegacia.
Depois que me fotografaram (sorríndo, pois eu não iria fazer cara de culpado), o policial me disse que alguém teria que me buscar lá. Foi quando liguei para o Craig, que era o produtor do jogo e disse o que tinha acontecido e que não poderia chegar para fazer o programa. Só me deixaram telefonar quando faltavam menos de 10 minutos para o começo. Todo mundo já estava preocupado comigo. Foi quando pediram ao Marco Alfaro para fazer o jogo sózinho. Eu só soube, é claro, depois. Mas fiquei imensamente grato. Eu teria sofrido muito mais se soubesse que o pessoal no Brasil não pudesse ter acompanhado os 4 touchdowns do Joe Horn em português, com direito de ligar para a família depois do segundo, usando um celular que ele havia escondido no uniforme.
Ele pagou uma multa por isto, e eu paguei um mico pelas minhas desventuras da noite. Mas o Giants perdeu por 45 a 7, e eu perdí a fé na justiça. Eu estava apenas fazendo o máximo para ir trabalhar e fui impedido. Felizmente o Markito também acreditou que o show não pode parar!
FUTURAMENTE AQUI: Como fui meu próprio advogado :)
5 comments:
Genial história, André. Eu assisti a esse jogo e estranhei sua ausência. Como não consegui assistir desde o início, eu não entendia porque o Marco estava sozinho. Só durante o jogo ele comentou "en passant" sobre o motivo. Em todo caso, mesmo não podendo ouvir sua narração e o famoso "É touchdown", gostei do jogo e o Marcos deu um show.
Abraços
Rapaz, mesmo ja sabendo dessa história, tive que ler e comentar!! Durante a leitura, fiquei imaginando o cara chamando a polícia, seu semblante dentro da delegacia...muito hilário!!!!!
Caro Dr. Adler,
Dei boas risadas relembrando aquela noite de tempestade. Só faltou informar que eu não recebi dobrado. hehehehe
Muito legal.
Grande abraço
Markito Alfaro
hahaha na hora que você disse que ia narrar o Sunday Night Football o policial pensou "vix esse ai tá drogado" =)
Mas é assim mesmo, tem dias que tudo dá errado
hahaha miito legal a história!
Tem que olhar o lado positivo que não aconteceu nada realmente sério...
Abraço,
ps. coloquei um link do seu blog lá no meu... depois dá uma passadinha lá...
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