Friday, April 23, 2010

Zebras no Purgatório


Como amar a arbitragem e como amar arbitrar? Estas são duas perguntas que estão na minha cabeça últimamente. Nestes 13 meses que estou no Brasil o futebol americano mostrou um crescimento extraordinário. Tem gente jogando de uma ponta à outra deste imenso país. Full pads virou febre com o Torneio de Seleções de 2009, e o termômetro foi para o vermelho com o Torneio Touchdown 2009. Este ano, com a LBFA, liga descendente do TT 2009, e com os "Sete Samurais", os novos times do Torneio Touchdown 2010, prevê-se um número de jogos inédito na historia da bola oval no país. E se a gente adicionar o Carioca Bowl, os jogos de Flag, os campeonatos estaduais estruturados como o paulista, parananese, catarinense, o campeonato gaúcho, os nordestinos, os Bowls curtos, e tantos mais amistosos por aí, podemos estar certos que este ainda novo esporte amador tem centenas de amantes. Mas eles são os jogadores e técnicos.

E árbitros para estes jogos todos? Jogar é divertido. O que se pode fazer para tornar a arbitragem mais atraente? O que se pode fazer para melhorar o nível de arbitragem no Brasil e aumentar o número de árbitros? O tema voltou a ocupar meus pensamentos após voltar de Timbó, Santa Catarina, onde fui narrar o Torneio Bruiser Kickoff, uma ótima idéia e uma maratona de 8 jogos de tempo reduzido com todos os times que participarão do campeonato catarinense deste ano, e notar erros de arbitragem indo desde o atendimento de pedido de video replay (que ainda não consta em nenhum regulamento nosso por razões óbvias) até manter o erro visto claramente no replay. Os gestos, os sinais de juiz parecem ter saído de moda ou o pessoal tem artitre e não quer usar os braços. Não creio que seja encabulamento de parecer um açucareiro ao indicar um offside...

Nos jogos que narrei pessoalmente nos estádios pelo Brasil, sempre ressalto a importância dos árbitros e os anuncio quando consigo o fornecimento dos seus nomes. Como diz Allyson Luiz, do Ponta Negra Bulls e Presidente da ANEFA, “Temos a cultura do soccer que árbitro já entra em campo como ladrão e fdp, mas temos que sempre incentivar o respeito a arbitragem mesmo nos erros como é feito no Rugby. Sempre respeitar, levando em consideração que ela quer sempre fazer o melhor e sempre preservar os jogadores.”

Tendo narrado muitas centenas de jogos da NFL e da NCAA, e acompanhado o futebol americano amador europeu e brasileiro, eu tenho o entendimento da necessidade deste respeito. Mesmo quando percebo erros eu me controlo para não interferir no que está acontecendo no campo, pois sei que há um regulamento para isto. O que não significa que depois de uma partida eu não pense em todos os aspectos que podem melhorar a prática da bola oval no Brasil. Disto veio o meu pitaco introduzindo a “Mercy Rule” (regra pela qual o relógio não pára se um time estiver perdendo por 30 pontos ou mais no 4º quarto) no TT 2009 para manter os jogos mais interessantes e preservar os jogadores. Após ter visto o seu valor na Hungria, me tornei partidário dela e a recomendo direto.

Conversei este dias sobre arbitragem com algumas das pessoas que são chaves no nosso futebol americano além do Alysson Luiz: Fernando Boing, do Joinville Gladiators, com sua longa experiência desde o Panzers, ex-Presidente da Liga (hoje Federação) Catarinense, Rodrigo Proença, Presidente do Curitiba Brown Spiders e Vice da FPFA, Daniel Miura, que em seus muitos anos de FA já atuou no Sâo Paulo Sharks, no Silver Bullets e é DC do São Paulo Storm e Presidente da LPFA, Everton Gnewuch, Presidente do Jaraguá do Sul Breakers, Gerard Jr., Presidente do Barigui Crocodiles, Bruno Araujo, Coach, Presidente do Vila Velha Tritões, Alexey Osatchuk, Presidente do Ponta Grossa Phantoms, e Julio Schumacher, ex-QB do Brusque Admirals, com muita experiencia em arbitragem e meu ótimo parceiro na cobertura do recente torneio em Timbó.

“Para ser um bom árbitro deve conhecer bem as regras e o esporte, óbvio, porém deve-se preocupar em não querer ser a estrela principal e aparecer nos jogos, e isso é muito complicado, visto que quem apita são pessoas sem nenhum preparo para tal, que vão por amor ao esporte ou por obrigação (pela sua equipe) ou até mesmo para "quebrar um galho" ou ver o jogo mais de perto”, diz Bruno Araujo. E de fato, é importante que o poder não suba a cabeça. Já que a maioria dos nosso árbitros são jogadores, o equilíbrio é fundamental para não haver nenhum revanchismo sobre algum jogo anterior, e ser tão conciliador quanto possível no trato para não forçar insultos que se tornam faltas pessoais que podem acarretar em expulsão do jogador. Como diz Julio Schumacher “A arbitragem não precisa fazer showzinhos, se vestir de palhaço para apitar uma partida. Para a arbitragem ser mais atraente, é necessário simplesmente que o árbitro assinale as faltas e ponto final”.


Idéias não faltam. Gerard Jr. acredita em “investir em cursos preparatórios com estudantes de educação física e remunerar os árbitros pra que eles se sintam atraídos a aprender e apitar”. Fernando Boing complementa que ais pessoas se interessarão em arbitrar se “puderem, participando de treinamentos de football oficial das ligas estaduais, terem estas horas abatidas de suas horas obrigatórias extra curriculares”.

O incentivo financeiro, com o qual pessoalmente concordo apesar dos fundos ainda limitados que a maioria dos times possui, parece ser um fator onde quase todos estão de acordo. Rodrigo Proença acredita no reconhecimento financeiro dos árbitros: “e claro, ressarcimento de suas despesas de transporte e alimentação para os jogos. O FA no Brasil ainda é amador e muitos jogadores ainda tem que investir no seu time. Para os árbitros a situação não deve ser esta. Eles devem ser reconhecidos pelo trabalho e também acho interessante a criação de programas de avaliação e reconhecimento dos melhores que atuaram na temporada”. Outro que abraça a noção é Alysson Luiz: “Devemos incentivar sempre o pagamento de uma boa taxa para a arbitragem porque assim poderemos cobrar dos mesmos saber cada vez mais das regras e dessa forma iriamos atrair pessoas de fora do esporte como estudantes de Ed. Fisica”. Novamente Schumacher:”uma coisa que atrairia os árbitros, seria pagar pelo serviço. Claro que nenhuma das federações esbanja dinheiro para pagar bem aos árbitros... mas tem gente que precisa de dinheiro e gosta do esporte. Qualquer 50 reais ja ajudaria e muito essas pessoas... E para ser juiz, não adianta apitar forçado... tem que ao menos gostar do que está fazendo.” Daniel Miura é mais conclusivo: “...não tem segredo. Tem que pagar bem”.

O que ninguém discorda é da importância de melhorar o nível independentemente de recompensas. “Acho que um pequeno cachê pode atrair mais gente interessada em apitar, porém não irá melhorar a qualidade da arbitragem. Alguns campeonatos dão penalidades para os ábitros que faltam ou chegam atrasados, mas isso também não melhora a qualidade e não motiva ninguem à apitar. Apitar, será sempre uma obrigação e não um divertimento. Cabe à pessoa saber disso e deixar alguém com mais vontade de ajudar do que ele que não quer ou não acha legal. Se pagarem bem para alguém perder 3 a 4hs apitando, quem sabe será mais atrativo. Mas volto a repetir, não melhorará o nível da arbitragem”, diz Bruno Araujo.


A importância dos homens de camisas de zebras é fundamental não só para os resultados mas para o andamento das partidas. Ninguém imagina quantas vezes eu daria um “delay of game” para árbitros que se juntam no huddle por tempo excessivo e acabam tirando um jogo do seu rítmo e tornando-o chato. Afinal, como diz Everton Gnewuch, faz parte da função do juiz “mostrar ao público aquilo que o esporte representa, não só pancadas, pancadas e pancadas. Apresentar o lado mais técnico possível do esporte, a estratégia e a atenção necessária, aonde uma jogada incrível necessita da boa conduta e atenção dos jogadores que a executam. Mostar o show de raciocínio que o esporte exige e sua disciplina incomparável”.

Mais algumas sugestões do pessoal: para melhorar:

Alexey Osatchuck: “acho que apitar o maior número de jogos possivel... isso é pratica e não teoria... eu acho que só com a pratica para ficarem bons, o problema que não temos um número expressivo de jogos para isso, pois há o problema de deslocamento dos times e dos árbitros”.
• Rodrigo Proença: “Promover clínicas e treinamentos com apoio de universidades, utilizando-se de situações de jogos e interpretação de regras. E claro, colocando eles para apitarem mais e mais.
Everton Gnewuch: “Tornar o esporte de conhecimento da maior parte da população, principalmente aonde existem Franquias. Tornar um gosto pelo esporte é colocá-lo na linha do profissionalismo”.
Daniel Miura: “O nível só vai melhorar na hora em que tivermos cursos de capacitação sérios e que paremos de procurar juízes nas bases dos fãs do esporte. Digo isso porque o foco tem que ser aqueles que fazem da arbitragem um ganha pão e não uma diversão. lugar de fã é na arquibancada”.
Bruno Araujo: “Clínicas de arbitragem funcionam um pouco para tirar dúvidas de quem já conhece, porém o nível melhorará à medida que vão havendo mais jogos e as pessoas vão aprendendo a errar menos. Para mim, árbitro é quem nem jogador, aprende jogando...no caso, apitando”.
Fernando Boing: “Fortalecimento e maior comprometimento da AFAB.Criação das ligas estaduais, fortalecimento das existentes e campeonatos estaduais regulares. Padronização e utilização de uma única regra em todo o território nacional. Video aulas para os iniciantes e árbitros que já arbitram se reciclarem”.
Julio Schumacher: “Para ser árbitro, primeiramente a pessoa tem que entender muito bem o esporte. Não dá pra ser qualquer jogador do time, fazer um curso básico e ja apitar. Infelizmente, hoje temos poucas pessoas capazes em cada time que conhecem todas as regras e etc. Para isso melhorar, tem que ser feitos cursos de capacitaçao muito mais técnicos do que foi a prova de 10 questões feitas pela AFAB no ano passado. Tem que ser realizado uma espécie de "training camp" para os árbitros... usando as imagens dos jogos gravados aqui no Brasil... e até comparar com os jogos da NFL, principalmente para ver a agilidade e quão importante é o árbitro para o andamento do jogo".


Encerrando, mesmo sabendo que ainda devemos demorar para tirar os zebras do purgatório, quero que todo mundo que apita jogos aqui no Brasil saiba o quanto sou grato aos seus esforços, com seus erros e acertos, em prol desta bola oval que tanto amamos. Acho que é hora de todos os amantes do futebol americano brasileiro doarem do seu tempo. A AFAB, a ANEFA, assim como as ligas e associações e federações do resto do país não são geridas por profissionais, mas pessoas que doam o seu tempo tirado de seus empregos e famílias. Todos devemos respeitar e valorizar isto muito. Mas quem não puder doar, deixe espaço para quem o queira e possa. É preciso tempo e trabalho para organizar e levar em frente as boas idéias conversadas aqui. É preciso ter muita vontade. E liderança.

Fica ainda uma sugestão. Por que não AS zebras? Já temos mulheres jogando e são todas pioneiras. Algumas conhecem o esporte o bastante para entrarem em arbitragem. Vamos lá, mulherada! Claro que na primeira paquera de jogador no campo será hora de abrir os braços em cruz e dar uma conduta anti-esportiva no abusado!!!

No mais, é como conclui o Julinho Schumacher” Não pode é complicar o jogo. Assinalar o que viu e segue o jogo quanto menos a arbitragem aparecer, melhor”!




A reprodução deste artigo é permitida e encorajada com o crédito do autor: André José Adler

6 comments:

DenevaldoJunior said...

Acredito Adler q ouvindo também os arbitros poderemos encontrar soluções boas para este (hoje) problema.

Mulheres também acredito q seja uma boa, mas não por serem mulher, mas se mostrar comprometimento... Temos bons exemplos de arbitros pelo brasil, acredito q em algum evento como o torneio de seleções, finais dos torneios, seria bom os times e associações fazerem um esforço extra para reunir quem ja atuou com arbitragem e conversar sobre estes topicos, organizados por eles mesmos não com dirigentes dos times, no maximo dirigentes das ligas/associações. Acho q para os arbitros também é claro a deficiencia e necessidade de melhoria.

Unknown said...

Ser zebra é dureza amigo!

BOING

Fernando da Silva said...

Há clínicas para árbitros de FA? Seria uma boa idéia

Eduardo said...

Tive a oportunidade e o privilégio de participar do curso de formação de árbitros da LPFA e já me disfarcei de zebra em algumas das partidas do Torneio Integração de flag football em SP. Entre todos os árbitros da LPFA, acredito que apenas eu e Renato Orosco não tenhamos vínculo com alguma equipe, o que claramente já diminui as reclamações de "favorecimento", entre outras.

Algo importante ressaltado no curso foi que o árbitro não é um espectador privilegiado da partida. Muitos erros e confusões podem surgir se o árbitro ficar olhando pro alto, admirando o passe que o QB deu voar por 30 metros, enquanto o pau come em terra. Vamos nos concentrar em nossas funções dentro de campo!

Renata Lakatos said...

Adler,
Apito jogos em São Paulo desde 2008 e, em 2009, fui referee em quase todos os jogos do Torneio Principal de Flag... Creio que o respeito dos jogadores com as mulheres chega a ser ainda maior, pois têm receio de nos ofender.
Apitei, ao lado de 6 juízes homens, o jogo São Paulo x Mato Grosso neste último torneio de seleções e, apesar de no início uma das pessoas da AFAB ter sido contra, depois correu tudo tranquilamente.

Parabéns pela matéria,
Renata Lakatos
SP Rhynos Ladies

Bruno Zanette said...

Arbitragem é um tema polêmico, em qualquer esporte. Mas, assim como todos os profissionais envolvidos no jogo, deve ser respeitado, pois estar no papel em que está, não é fácil. Existem árbitros mal-intencionados? Infelizmente sabemos que sim, mas são minorias, creio eu. E quando cometem um erro, deveria ser encarado de forma natural, afinal, todos nós podemos errar. Porém, sabemos que nem todos pensam assim.

Seu blog ficou show, André! Gostei do novo layout, parabéns!

Abraço!