Cassio Cardoso fez uma entrevista com boas perguntas para o Mockup Magazine, e como conto histórias que não contei antes, e pela variedade de assuntos, reproduzo aqui, com a sua autorizaçao, as perguntas e respostas para os leitores habituais do meu blog tão bisexto. A original, com abertura e fotos ilustrativas pode ser lida na Mockup começando na página 33.
- Falando de NFL, qual foi sua sensação ao transmitir o primeiro jogo? O quanto você já entendia do jogo nesse momento?
Eu me preparei, o pouco que pude, para a minha primeira transmissão em 1992 e confesso não lembrar qual foi o jogo. Acho que a sensação foi uma mistura de alívio por ter terminado, e de incompetência. Por outro lado percebi certa magia neste esporte e isto me incentivou e eu me determinei a aprender a transmitir.
- E a experiência de um Super Bowl? Como é estar narrando o jogo ao vivo do estádio?
Boa pergunta, e terá uma longa resposta. De 8 Super Bowls que narrei, 3 foram do estádio. O primeiro foi em 31 de janeiro de 1993, o Super Bowl XXVII, em Pasadena, Califórnia. A semana foi mágica, toda a preparação, coquetel para a imprensa internacional com direito a papinho com Joe Namath, e outros grandes astros do esporte. Me senti um menino num parque de diversões. Em coletiva, ousei levantar a voz e fazer uma pergunta ao Marv Levy, então técnico do Buffalo Bills e hoje membro do Pro Football Hall of Fame. Era num auditório enorme e as perguntas estavam sendo feitas por jornalistas altamente especializados. Perguntei como ele explicaria para o brasileiro, acostumado com o futebol da bola redonda, a beleza do esporte do futebol americano. Antes de responder, ele me agradeceu dizendo que foi a primeira pergunta que não foi repetição do que haviam perguntado à ele durante toda a semana. Isso tirou risadas e aplausos e eu me senti com a maior moral. Ele gostou da pergunta e eu também, pois a repeti através dos anos para vários técnicos e jogadores da NFL.
O jogo em si foi uma lavada de 52-17 do Dallas Cowboys sobre o Bills. Com um público de quase 100 mil pessoas, me senti privilegiado em estar presente. Confesso que tanto eu quanto o meu parceiro Ivan Zimmermann aprendemos um bocado depois. Uma carta de telespectador que chegou à ESPN nos caracterizava como dois turistas narrando o Super Bowl, e provavelmente a definição foi absolutamente certa.
Mas além de curtir no Rose Bowl o show do intervalo com Michael Jackson, no ápice de sua carreira, a lembrança que mais me marcou foi ver o RB Emmit Smith ao vivo. Lembro que o comparei à um carro manual que sai de uma primeira e engata logo uma quinta sem passar pelas outras marchas. Eletrizante! Hoje, aposentado e já no Hall da Fama, ainda mantém o recorde de jardas corridas na NFL com 18355 percorridas. São mais de 16 mil kms em campos de futebol americano
Depois deste, narrei dos estúdios em Bristol, o SuperBowl XXIX (San Francisco 49ers 49–26 San Diego Chargers), o Super Bowl XXX (Dallas Cowboys 27-17 Pittsburgh Steelers) e finalmente em 30 de janeiro de 2000 voltei ao grande palco, desta vez com Roberto Figueroa, para narrar o Super Bowl XXXIV direto do Georgia Dome em Atlanta, Georgia. Ótima maneira de começar o século 21. Fomos às coletivas nos hotéis, gravamos promos a semana toda, e no dia do jogo estávamos bem preparados. Ray Charles, um dos ídolos da minha adolescência cantando na abertura foi um toque especial. A estrutura oferecida é fenomenal. Estatísticas sempre atualizadas num monitor ajudavam a gente a colorir a transmissão. Mas o melhor mesmo foi o jogo. Kurt Warner, que era o QB do St. Louis Rams dando show, a defesa do Tennessee Titans segurando bem no 1º tempo, até que depois do intervalo pegou fogo o duelo.
E quanta emoção no finalzinho! Com o Rams liderando por 23-16 no placar, o Titans chegou na linha de 10 jardas do rival com 6 segundos para o final, e o WR Kevin Dyson poderia empatar mas recebeu um tackle do LB Mike Jones do Rams e ficou à uma jarda da endzone. Que emoção! Certamente um dos melhores jogos que já narrei, e sem dúvida o mais emocionante Super Bowl.
No ano seguinte, Figueroa e eu fomos para a Flórida, para narrar o Super Bowl XXXV diretamente do Raymond James Stadium, em Tampa. Novamente a vibrante movimentação do Media Day, as conversas com jogadores e Tiki Barber me contando que jogou um pouco de futebol na escola, mas o evento extra jogo mais marcante para mim foi sem dúvida uma conferência para a mídia internacional aberta pelo Comissário Paul Tagliabue, e conduzida pelo então Vice Presidente da NFL Internacional Doug Quinn.
Vários países estavam sendo comentados e eu cochichei para o Roberto que eu ia falar em Brasil. Ele deu moral, e eu me apresentei e informei aos presentes que a NFL era discutida na Lista Redzone na internet, que tinha mais de 200 membros (fundei a lista em 1998 e hoje tem quase 2600 membros), e que se jogava futebol americano nas praias cariocas e flag em São Paulo. O nome Carioca Bowl teve logo um impacto e o Mr. Quinn lá mesmo me colocou em contato com o representante da NFL para o México. Como resultado disto vim meses depois ao Brasil, trazendo dezenas de bolas e flags que distribui no Rio e em São Paulo, um troféu oferecido pela NFL para o campeão do Carioca Bowl, e produzi para a NFL Films uma reportagem exibida em cerca de 180 países (http://www.youtube.com/watch?v=fE2MfSGw-Fo).
O jogo em si, entre o New York Giants e o Baltimore Ravens foi muito fraco. O Giants estava péssimo e a defesa do Ravens, comandada pelo Ray Lewis estava ótima. Mas a emoção e vibração de Super Bowl estava presente. O Ravens ganhou fácil por 34–7 e no dia seguinte fui para Orlando curtir um pouco na Disneyworld.
Aquele acabaria sendo o último Super Bowl que narraria de um estádio. Narrei ainda os Super Bowls XXXVII (Tampa Bay Buccaneers 48–21 Oakland Raiders ), XXXVIII (New England Patriots 32–29 Carolina Panthers ) e no Super Bowl XXXIX fui para Jacksonville e passei a semana gravando matérias para a ESPN Brasil, mas como naquele ano os direitos eram de outra rede tive que me contentar em ser espectador da vitória do New England Patriots por 24–21 sobre o Philadelphia Eagles no Alltel Stadium.
Mais estranho para mim foi o último que narrei, o Super Bowl XL. Passei a semana toda em Detroit, fazendo matérias e entrevistando Ben Roethlisberger, Hines Ward, Jerome Bettis, Bill Cowher, Mike Holmgren, muitos outros jogadores, e até Mick Jagger (tem isto no youtube), mas no sábado tive que voar de volta para Connecticut para narrar, ao lado de Marco Alfaro, a vitória do Pittsburgh Steelers por 21–10 sobre o Seattle Seahawks. A ESPN não havia reservado cabine no Ford Field para a narração para o Brasil. Confesso que foi frustrante, mas valeu porque deu para enriquecer a transmissão assim mesmo.
- Agora proponho um bom exercício de imaginação. Você acha que se Peyton Manning e Tom Brady tivessem jogado na década de 70 e 80, o que jogam hoje. E atualmente tivéssemos Dan Marino, Joe Montana jogando o que jogaram no passado, a comparação entre eles seria feita de forma diferente?
Eu não os comparo. Manning já passou Montana em estatísticas de passe, mas não passou Marino, que dos quatro citados é o único que não ganhou um Super Bowl. Brady joga com uma estrutura montada privilegiadamente para ele, e mesmo sendo ótimo perde em criatividade. Comparar como? Por números ou pela arte da performance esportiva de cada um?
- Como sua experiência anterior na TV ajudou na hora de se tornar narrador?
Foi fundamental. Eu nunca fui atleta e não vinha de um background de ávido fan de esportes. Comecei usando as técnicas de televisão e teatro que aprendi desde menino quando comecei como ator na TV Tupi do Rio de Janeiro. Acho que criei o personagem “locutor esportivo” baseado nisso. Depois, ao descobrir cada vez mais o que há de fascinante numa imensa variedade de esportes, “virei” o personagem.
- Ainda sobre o assunto, qual a melhor história dos tempos de ator?
Para quem trabalhou ainda adolescente com grandes damas do teatro brasileiro como Alda Garrido, Dulcina de Moraes e Fernanda Montenegro, e depois fez teatro político com o Teatro de Arena de São Paulo e o Grupo Opinião, e anos depois em Nova York off-off Broadway fica difícil escolher pois são tantas. Então escolho a mais recente. Ano passado fiz um personagem, o chefe do correio, no filme “O Carteiro” dirigido pelo Reginaldo Faria, filmado em Vale Vêneto no RS, e que vai ser lançado este ano. Reginaldo é meu melhor amigo. Escrevi com ele o roteiro do primeiro filme que dirigiu, “Os Paqueras”, em 1969. Há uma cena em que contraceno com dois de seus três filhos, o Marcelo (que conheci no dia em que nasceu) e o Candé que faz o papel-título. A primeira cena que filmei é uma que vai aparecer lá pelo fim do filme e na qual eu sou interrogado pelo Delegado, personagem do Marcelo. Foi realmente um lance muito louco me abster dos laços pessoais e me concentrar (ainda mais que há umas 3 décadas não trabalhava como ator). Mas deu pé e a cena ficou muito legal.
- Como também atuou em outras áreas, como diretor e roteirista, entre outros, você já pensou na possibilidade de gravar um filme sobre o desenvolvimento do futebol americano no Brasil?
Já sim. Pensei até em fazer um documentário tipo “making of” do Torneio Touchdown. Mas como eu estou organizando ele nem teria esta opção. Para falar a verdade pensei até em escrever um musical usando o futebol americano como tema. Coreografia com full pads e capacetes ficaria muito bacana, né?
- De todas as entrevistas e reportagens que você fez ao longo de sua carreira, qual foi a melhor em sua opinião? E por que?
Sem dúvida foi a matéria sobre o grande jogador húngaro Ferenc Puskas exibida no Futebol no Mundo, da ESPN Brasil em 2006. Com depoimentos exclusivos do ex-goleiro da Seleção de Ouro da Hungria Gyula Grosics, e do ex-zagueiro Jenö Buzánsky.
Foi logo que o Puskas foi para o hospital. Antes de Pelé ele foi o primeiro grande jogador reconhecido no mundo todo e ídolo da minha infância. O treinador daquela seleção, Gyula Mándi, que trabalhava com o técnico Gusztáv Sebes naquele time que entrou para a história do futebol como os “Magníficos Magiares”, foi técnico do América em 1958, e era amigo do meu pai. Jantava duas, três vezes por semana lá em casa. Com isto consegui altos papos com o Grosics e o Buzánski, maiores que caberiam na matéria. Gravamos tudo em um dia que parecia ter 48 horas. Começando com a entrevista do Grosics num hotel em Buda, na porta do hospital onde o Puskas estava internado, na casa do Buzánsky em Dombóvár, uma cidadezinha que fica a 50 kms de Budapest, e depois de volta para gravar no Népstadion, renomeado em 2002 como Estádio Ferenc Puskas em Pest, e depois à beira do Rio Danúbio novamente em Buda. A matéria está no youtube em http://www.youtube.com/watch?v=UWh7XgeHBPc . Algum tempo depois caberia à mim informar ao vivo pelo telefone o falecimento do grande jogador no “Bate Bola”.
- Nas transmissões você sempre foi muito correto, e nunca torceu por ninguém. Já hoje em dia, você revela seu time numa boa? Qual time é? E por que você torce por ele?
Em 1994 eu tive a intuição que o Brasil iria ganhar a Copa do Mundo, que o New York Rangers iria ganhar a Copa Stanley depois de 54 anos, e que o San Francisco 49ers iria vencer o Super Bowl. Declarei isto na redação e fui até mal visto por vários colegas, pois fora a Copa, os outros dois palpites pareciam absurdos. Narrei a Stanley com a vitória do Rangers, e depois o Super Bowl e a vitória do Niners. Steve Young foi um QB fenomenal, um prazer de ver jogar com a sua liderança, presença de espírito e variedade de habilidades. Passando para Jerry Rice, dando para Ricky Watters correr com a bola ou correndo ele mesmo. Acho que comecei a torcer para mim mesmo, para que eu acertasse os meus palpites. Infelizmente desde então o 49ers não se acertou mais. Mas durante transmissões isto nunca teve peso, pois torço mais pelo meu trabalho e sempre achei que o público merecia imparcialidade. Não me é difícil ser imparcial porque acho o esporte mais importante que qualquer time.
- Após tanto tempo trabalhando, tanto na TV, e agora com o futebol americano aqui no Brasil, qual sua motivação para seguir na estrada?
É uma coisa que vem lá de dentro. Continuo com tesão de participar, de fazer coisas legais acontecerem. E como posso e faço, vou seguindo na estrada.
- Existe algum sonho que você ainda queira realizar?
Já estive em 28 países, conheci várias culturas. Sobram muitos ainda. Gostaria de gritar um touchdown no Maracanã (já fiz isto em Vila Belmiro). Ganhar um Oscar já ficou difícil, hehehe!
- Falando um pouco do futebol americano do Brasil. Você acha que estamos no caminho certo para que o esporte cresça e se torne popular aqui?
Só nestes dois anos que estou aqui no Brasil, já vi e participei de um boom que ninguém sonhava. O futebol americano está aparecendo no mapa e acho que o caminho certo mesmo vai aparecer como decorrência dos bons caminhos que estamos seguindo. E talvez dos descaminhos que vão se provando errados.
- Você acha que no futuro poderemos ter uma competição de nível nacional, que atraia televisão, mídia, patrocinadores? Não no nível do campeonato brasileiro, mas algo organizado e que chame a atenção do público, como a NBB vem fazendo, por exemplo?
Teremos este ano três competições interestaduais, com a entrada do nordeste e a nova liga LINEFA. Em 2009 foi uma. Em 2010 foram duas, sendo que o Torneio Touchdown foi a menor e atraiu um apoio de mídia sensacional e 10 mil espectadores. Este ano, com 16 times, o TTD será o maior campeonato brasileiro e espero que seja mais um passo em frente. É questão de tempo e patrocinadores perspicazes vão perceber o seu potencial.
- Com os constantes e já quase "de-lei" jogos fora dos EUA na temporada regular (como é o caso do jogo em Wembley), o quanto você acha que o Brasil está longe de sediar um jogo da NFL?
Em outubro de 2008 eu tive, em Nova York, uma reunião de uma hora e pouco com o então Vice Presidente da NFL International, Gordon Smeaton. Inglaterra, México, China estão entre as prioridades da NFL. De qualquer modo acredito que a Copa do Mundo e as Olimpíadas serão um teste real sobre a capacidade do Brasil para anfitriar grandes eventos internacionais. Um jogo de pré-temporada no Maracanã chegou à ser considerado por uma gestão anterior da NFL que até mandou uma comissão aqui pouco depois da virada do século, mas foi desencorajada pelos seus próprios contatos no Brasil. Diga-se a verdade, todos dirigentes ou envolvidos no futebol.
- Esse grande número de ligas no Brasil, e Associações organizadoras de competições. Em sua opinião é benéfica para o crescimento do esporte, ou deveriam começar a repensar esse formato?
O crescimento vem sendo grande e desordenado. Filosofias diferentes e discordantes. Interesses variados. Mas o próprio país funciona assim. De qualquer modo, sem contar com os campeonatos estaduais, desafios regionais, flag, campeonatos na areia, teremos este ano mais de 100 partidas equipadas de âmbito interestadual que serão disputadas no Brasil. E este será apenas o terceiro ano no qual se joga o futebol americano devidamente equipado. Assim como aprendemos ou não em 2009 e 2010, aprenderemos ou não em 2011. Qualquer hora todo mundo aprende e a bola oval vai achar e fazer seu caminho ou caminhos no Brasil. Mas não podemos nos queixar. Estamos indo bem.
- Com a experiência de duas competições anteriores, e partindo para a 3ª edição do Torneio Touchdown agora em 2011, qual você acha que é a maior dificuldade em se organizar um torneio de nível nacional aqui no Brasil?
Disponibilidade de pessoal e custos. Buscamos fazer nível profissional com amadores, e agora me refiro ao amadorismo fora do campo também. São todos heróis apaixonados que futuras gerações terão que homenagear.
- Você já teve alguma idéia que infelizmente não pode ser colocada em prática no TTD?
Muitas! Obrigatoriedade de estatísticas, afinal é um jogo de números. Transmissões de qualidade pela internet. Shows de abertura e intervalo em todos os jogos. Mas acredito que é melhor ir fazendo o que pudermos sem prometer do que prometer e não cumprir ou fazer meia boca.
- Você acha que o esquema de parceria dos clubes de futebol, com os times de futebol americano, um bom caminho para atrairmos cada vez mais interessados para o esporte?
Certamente é um dos caminhos que devem continuar a ser explorado. Corinthians, Vasco, Santos, Botafogo, Fluminense, Palmeiras, Portuguesa, América, e Coritiba já estão envolvidos com as diversas modalidades da bola oval. Uns poucos oferecendo já certa estrutura, outros apenas nominalmente. Universidades já começam a se interessar e isto pode ser um excelente caminho também. Não devemos esquecer que o futebol americano teve o seu começo nos Estados Unidos no século 19 em universidades e o College Football bomba!