Monday, December 3, 2007
Leila Diniz, a oncinha!
[andré,
meu nome é joaquim ferreira dos santos, sou colunista do globo, tenho uns livros publicados com a biografia do antonio maria, outro chamado feliz 1958 e outros de crônicas.
eu estou fazendo agora uma biografia da Leila Diniz.
eu já estava te procurando, mas quem me conseguiu teu email foi o denilson, que eu conheci ontem no lançamento da biografia do tim maia (ficou espetacular).
vamos conversar sobre a leila?
de início gostaria que você me contasse tudo que se lembrasse sobre o "em busca do tesouro", que foi a estréia dela.
o denilson me disse que voce vendeu uma lambreta para fazer a produção.]...
Vamos lá! “Em Busca do Tesouro”. Lembro que a gente começou a falar na peça em torno de junho de 1964, porque foi quando fiz 20 anos e a Leila foi a primeira à chegar lá em casa pra festa. A iniciativa foi do Domingos de montar uma peça infantil. Eu tinha feito teatro com o Domingos antes, “Sétimo Céu”, em 1962. Eu fiquei logo afim. Em fins de 1963 eu tinha feito “Eles não usam Black-Tie” com o Teatro de Arena de São Paulo, e depois do golpe muitos atores estavam sendo perseguidos. Eu fui trabalhar na loja da Varig Internacional, porque era um ótimo “disfarce”. Mas eu tava seco pra fazer teatro de novo. E um infantil era perfeito. A gente fez uma sociedade, ele entrava com 2/3 da grana. Eu vendí a minha Lambretta e entrei com um terço. A peça foi escolha do Mingão, mas o autor Rubens Rocha Filho a escreveu com o nome “O Tesouro do Coronel”!! Eu achei o título pouco atraente, além de políticamente inoportuno, e mudei para “Em Busca do Tesouro”. O elenco era bem amigo. Fora a Martinha Viana que eu não conhecia ( e irônicamente nunca mais ví ou soube dela), era já bem uma turma. Yonita (que depois ficou conhecida como Ionita Guinle) era bem garota e casada com o primo da primeira esposa do Domingos, o Paulo Roberto Rocco tinha feito “As Provas de Amor” do Joào Bethencourt com um grupo amador legal do Anglo-Americano (e se não me engano tinha acabado de descolar um emprego na Editora José Olimpio), Emiliano Ribeiro (com quem uma década depois fui co-assistente de direção no filme “Em Família” do Paulo Porto) eu já conhecia desde que começou na TV Tupi, e a Leila que nunca tinha feito teatro e já vivia com o Mingão na época. Claudio MacDowell era o assistente de produção. Claudio era colega do Rocco no Anglo, e meu amigo de infância desde que estreamos juntos em teatro em 1957 em “Jogo de Crianças” do João Bethencourt e depois fizemos juntos o filme “Pega Ladrão”.
A gente ensaiou a peça na casa do Domingos, que era um dos Melhores Lugares do Mundo naqueles anos. A Leila era tímida, parecia que estava fazendo a peça mais pelo Domingos que por ela mesma. Lembro que o Domingos compôs uma canção (talvez mais de uma) para a peça e é engraçado que só retive um trechinho da música final que dizia: “... a oncinha nos ajuuuuuuuuuuuda”! E acho que éramos tremendamente desafinados.
Uma passagem interessante que lembro foi que consegui promover a peça num programa da TV Rio que era apresentado pela Riva Blanche. Fui eu, Emiliano, e a Leila. Emiliano e eu fomos “de gente”, ambos ex-“meninos-prodígios”da tv. O gancho era capitalizar que ele tinha sido o “Guguta” da série “Guguta e Tião” que fez muito sucesso na TV-Rio, Canal 13, e eu fui o primeiro “Pedrinho” do “Sítio do Picapau Amarelo” na TV Tupi, Canal 6. Já a Leila, muito encabulada, foi vestida de “Oncinha” e disse um pequeno monólogo da peça. Foi a sua primeiríssima aparição na tv! Ela estava super gracinha!
A gente estreiou a peça no Teatro do Rio, no Catete, do Rubens Correia e Ivan de Albuquerque que eram meus amigos e fizeram condições camaradas. Rubens fazia na época o “Diário de um Louco” de Gogol e a gente tapava o cenário com um telão branco. Depois da estréia o cenógrafo Pernambuco de Oliveira ficou com pena da gente e nos deu um desenho de floresta que o maquinista Humberto pintou na semana seguinte. O clima entre a gente era muito legal. E isto incluia todo o pessoal do Teatro do Rio. Tivemos prejuízo no começo, mas depois a peça pegou e todo mundo ganhava o seu dinheirinho pra semana lá. Era cooperativa, cada um com a mesma cota. O Domingos ganhava mais cotas porque tinha investido mais e era o diretor, e eu ganhava mais como investidor (saudades da lambreta!), ator e produtor executivo.
Depois de um tempo lá, passamos a montagem para o Teatro Jovem, do Kleber Santos, pois era um ponto bem melhor para teatro infantil naquela época. Nessas alturas a peça já fazia bastante sucesso, tinha uma turminha de amigos que vinha sempre, quase “groupies”. Leila se divertia muito fazendo a peça e as crianças adoravam a “oncinha”. Quando terminava, a gente ia sempre bater papinho com as crianças e a Leila era a predileta! E ela adorava curtir com as crianças. A insegurança dos ensaios e a timidez da tv tinham aparentemente desaparecidos.
A gente costumava sair um bocado juntos depois dos espetáculos, e isto é mais ou menos o que consigo lembrar. E com saudades da minha irmãzinha Leila para quem eu contava as minhas confidências de 20 anos que não se costumava contar para mulher.
Joaquim,
Mais duas coisas que gostaria de te contar sobre a Leila, a primeira uma curiosidade, a segunda bem mais.. sei lá... “esotérica” talvez.
Creio que você sabe que escreví o roteiro do filme “Os Paqueras” com meu amigão brother Reginaldo Faria. A sequencia na qual ela aparece (e eu apareço também fazendo uma aposta com o Regi) foi escrita pra gente curtir um barato paralelo. Ela foi filmada numa loja da Rua Santa Clara 41 que antes de ser loja tinha sido o apartamento térreo onde me criei desde os 3 anos de idade. Nos degraus do prédio eu me sentava para longos papos com amigos, inclusive – claro! - a Leila. Foi um barato para nós voltarmos ao mesmo lugar anos depois fazendo cinema.
Quando a Leila morreu eu fui direto pra casa da família Diniz. Era o único lugar possivel para mim estar. Mas mais que tudo eu queria dar apoio pra Liginha naqueles dias tristes e movimentados. Só saia de lá, práticamente, para gravar a novela “Tempo de Viver”na Tupi. Mas conseguia as vezes tirar a Ligia de casa para uns curtos passeios. Depois do enterro as coisas começaram à aliviar naquela casa. Uma família muito minha querida que reagiu com muito amor. Uma noite, a Lígia estava recebendo a visita de umas amigas de infância, ex-colegas de colégio (inclusive acabei me casando com uma delas, a Claudia, que conhecí naquela noite) e os papos estavam começando a ficar agradáveis e divertidos.
Foi quando a Liginha expressou a vontade de juntar a turma da “Pop” e fazer outra peça infantil. Por destas coincidências do destino, a Ligia estreiou em teatro (sem contar umas substituições em “Tem banana na banda”, numa peça infantil que dirigi em 1970, “Pop, a garota legal” de Ronaldo Ciambroni. Foi também a estréia do Claúdio Tovar como ator, cenógrafo e figurinista no Rio. Leila, que adorava a irmãzinha Ligia, me recomendou pra cuidar dela com carinho quando ainda ensaiavamos. Como se precisasse. Nesta peça atuava também a Maria Alice Langoni, Valentina Godoy, Álvaro Aguiar, entre outros. Meu parceiro nas músicas era do Eduardo Souto Neto, que regeu pela primeira vez na gravação da trilha e estourou a verba da produção que desta vez, felizmente, não era minha. A “Pop” foi um grande barato e muitas amizades daquela turma já são eternas.
Falei com o pessoal sobre o desejo da Liginha, e quem era pra topar topou direto. Como a Liginha estava numa fase de dança nesta época, como o Tovar estava numa fase de desenhar borboletas, eu bolei que a Ligia seria uma borboleta que iria dançar muito na peça. E que o nome seria “O Jardim das Borboletas”. Só que como estava fazendo a novela e trabalhando num roteiro com o Reginaldo, pedí para um amigo escrever. Ele começou um esboço mas acabou resolvendo se mudar para o norte. Pedí à um outro redator, mas ele não sacou o espírito.
Tinha um destes concursos que dão verba que a Ligia queria inscrever a peça e o tempo estava passando. Num belo dia de sol carioca, depois de uma praia ótima, eu me sentei e escreví umas 3 ou 4 páginas. E fui pra casa da Ligia. No dia seguinte eu tinha que subir para Friburgo com o Reginaldo. Era now or never. Voltamos pra minha casa e voltei para a máquina, eu ia escrevendo e a Liginha fazendo desenhinhos ao meu lado. Em certo ponto da madrugada nós demos uma parada. E ambos sentimos a presença da Leila. Foi muito bonito. Muito inspirador. E assim escreví num período de 24 horas uma peça, já com as letras das músicas e tudo, que teve um sucesso antológico desde a sua estréia na semana do Natal de 1972. A peça já teve umas 18 montagens em três décadas, pelo Brasil todo desde então e revelou muitos talentos. Acho que todas as vezes que o “Jardim” é montado a Leila sorrí. Ou será a Oncinha?
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